quinta-feira, 19 de julho de 2012

TODOS PERDEMOS!

No último 12 de abril, o Supremo Tribunal Federal, mais alta instância do Poder Judiciário do Brasil, aprovou a descriminalização do aborto de anencéfalos (casos em que o feto tem má formação no cérebro). Primando por aspectos técnicos, científicos e jurídicos, prevaleceu o argumento da incompatibilidade da anencefalia com a vida, e da liberdade de a mulher decidir sobre a interrupção da gestação. Considerado grande avanço e sinônimo de progresso, a decisão é comemorada por muitos.
Quando estudante, numa prova oral, o professor desafiou-me a tirar um 10, pontuando e perguntando: “O ser humano tem cérebro. Raciocina, possui consciência de si e dos outros, é responsável por suas ações. O gato e o cachorro também têm cérebro. Porque não raciocinam, não possuem consciência de si e dos outros?”. Não soube responder. A resposta? Simples e óbvia: o que faz o ser humano pensar não é o cérebro, mas sim, o espírito, a natureza espiritual, da qual, dentre todas as criaturas, ele é o único a participar. O que confere dignidade a um ser humano não é o cérebro, e sim, o fato de ele ser humano.
 Ainda estudante, tinha que dividir o espaço físico com outros. Diante dos constantes conflitos, era comum, para defender interesses próprios, servirmo-nos da famosa frase: “Sua liberdade termina onde começa a minha; minha liberdade termina onde começa a sua”. Certo dia, o professor colocou-nos frente a frente com esta falácia, ajudando-nos a perceber que a liberdade e seu valor não dependem do “eu” ou do “outro”; é um valor absoluto, não relativo. Eu e/ou você não somos donos ou critérios para limitar a liberdade
A vida humana não está localizada, nem limitada ao cérebro. O que dizer sobre portadores de deficiências (leves, graves ou severas) e os que são acometidos por doenças cerebrais? Deixam de ser humanos? Seu estado torna-se incompatível com a vida, devendo ser eliminados? O ser e a dignidade humana ultrapassam os limites e funcionalidade do cérebro.
A liberdade, por si, está acima de tudo. É legítimo que alguém, pessoa ou coletividade, em nome da “sua“ liberdade, outorgue-se ou conceda que outro ser humano seja eliminado? A lógica da “minha liberdade” sustenta, ao longo da história da humanidade, massacres escritos com sangue inocente
O que comemorar diante da decisão da Suprema Corte? Vitória da vida? Vitória dos direitos humanos? Vitória deste ou daquele grupo? Vitória da “minha” ou “sua” liberdade? E o direito à liberdade do feto em viver, que seja por um segundo? Segundos e minutos mensuram a intensidade e o valor da vida humana?
Emerge a verdade: Todos perdemos, porque o Ser Humano perdeu!

Ivanaldo Mendonça
Pós-graduado em Psicologia, Coaching
ivanpsicol@hotmail.com
 

domingo, 15 de julho de 2012

O impossível pacto entre o lobo e o cordeiro

Post Festum, podemos dizer: o documento final da Rio+20 apresenta um cardápio generoso de sugestões e de propostas, sem nenhuma obrigatoriedade, com uma dose de boa vontade comovedora mas com uma ingenuidade analítica espantosa, diria até, lastimável. Não é uma bússula que aponta para o “futuro que queremos” mas para a direção de um abismo. Tal resultado pífio se tributa à crença quase religiosa de que a solução da atual crise sistêmica se encontra no veneno que a produziu: na economia.
Não se trata da economia num sentido transcendental, como aquela instância, pouco importam os modos, que garante as bases materiais da vida. Mas da economia categorial, aquela realmente existente que, nos últimos tempos, deu um golpe a todas as demais instâncias (à política, à cultura e à ética) e se instalou, soberana, como o único motor que faz andar a sociedade. É a “Grande Transformação” que já em 1944 o economista húngaro-norteamericano Karl Polanyi denunciava vigorosamente. Este tipo de economia cobre todos os espaços da vida, se propõe acumular riqueza a mais não poder, tirando de todos os ecossistemas, até à sua exaustão, tudo o que seja comercializável e consumível, se regendo pela mais feroz competição. Esta lógica desequilibrou todas as relações para com a Terra e entre os seres humanos.
Face a este caos Ban Ki Moon, Secretário Geral da ONU, não se cansa de repetir na abertura das Conferências: estamos diante das últimas chances que temos de nos salvar. Enfaticamente em 2011 em Davos diante dos “senhores do dinheiro e da guerra econômica”declarou:”O atual modelo econômico mundial é um pacto de suicídio global”. Albert Jacquard, conhecido geneticista francês, intitulou assim um de seus últimos livros:”A contagem regressiva já começou?”(2009).
Os que decidem não dão a mínima atenção aos alertas da comunidade científica mundial. Nunca se viu tamanha descolagem entre ciência e política e também entre ética e economia como atualmente. Isso me reporta ao comentário cínico de Napoleão depois da batalha de Eylau ao ver milhares de soldados mortos sobre a neve:” Uma noite de Paris compensará tudo isso”. Eles continuam recitando o credo: um pouco mais do mesmo, de economia e já sairemos da crise. É possível o pacto entre o cordeiro(ecologia) e o lobo(economia)? Tudo indica que é impossível pois o lobo sempre devorará o cordeiro.
Podem agregar quantos adjetivos quiserem a este tipo vigente de economia, sustentável, verde e outros, que não lhe mudarão a natureza. Imaginam que limar os dentes do lobo lhe tira a ferocidade, quando esta reside não nos dentes mas em sua natureza. A natureza desta economia é querer crescer sempre, a despeito da devastação do sitema-natureza e do sistema-vida. Não crescer é prescrever a própria morte. Ocorre que a Terra não aquenta mais esse assalto sistemático a seus bens e serviços. Acresce a isso a injustiça social, tão grave quanto a injustiça ecológica. Um rico médio consome 16 vezes mais que um pobre médio. Um africano tem trinta anos a menos de expectativa de vida que um europeu (Jaquard, 28).
Face a tais crimes como não se indignar e não exigir uma mudança de rumo? A Carta da Terra nos oferece uma direção segura :”Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isto requer uma mudança na mente e no coração; requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal…para alcançarmos um modo sustentável de vida nos níveis local, nacional, regional e global”(final). Mudar a mente implica um novo olhar sobre a Terra não como o “mundo-máquina” mas como um organismo vivo, a Terra-mãe a quem cabe respeito e cuidado.
Mudar o coração significa superar a ditadura da razão técnico-científica e resgatar a razão sensível onde reside o sentimento profundo, a paixão pela mudança e o amor e o respeito a tudo o que existe e vive. No lugar da concorrência, viver a interdependência global, outro nome para a cooperação e no lugar da indiferença, a responsabilidade universal, quer dizer, decidir enfrentar juntos o risco global.
Valem as palavras do Nazareno:”Se não vos converterdes, todos perecereis”(Lc 13,5).

Texto de Leonardo Boff, publicado em seu site: http://leonardoboff.wordpress.com/

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